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O NATAL NA ALDEIA

Na aldeia, o vento gélido beijava ternamente a torre da igreja. Lá fora, as luzes brilhavam mais que nunca. O sacristão já tocara para a missa do galo. Os "lisboetas" deliciavam-se com as filhós amassadas pelas mãos duras e calejadas das gentes da serra. O Sr. Padre viera consoar a casa do Sr. Alípio. Aqui não faltava nada. O desejo de agradar ao prior fizera com que o orçamento para esta época aumentasse. O pão-de-ló, oriúndo da cidade vizinha, era o símbolo da riqueza em terras cujas suas gentes viviam com o "pão nosso de cada dia". Na casa da Sra. Alice, a sopa de natal, tida para os ricos como a "vianda do povo", deliciava os pequenos e graúdos. No silêncio da noite, a solidão fazia-se ouvir pela voz do "Aventoinha".Naquela noite, até os corações de pedra se tornavam em corações de carne. O Deus dos mais fracos e dos infelizes fazia-se ouvir na voz rouca daqueles que ao longo do ano vivem sem amor. O acto de amar ainda é visto com estranheza

"Uma pequena lágrima fez-lhe um visita pela janela do coração"

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A vida dura era compensada não só economicamente mas, essencialmente, por uma grande liberdade interior. O reverso da medalha também o acompanhava, as saudades dos seus e da terra povoada de penedos, Na fábrica de componentes para automóveis, era estimado e respeitado por todos. O seu carácter solidário rapidamente fazia atrair os corações mais duros na terra da liberdade e da democracia. O Natal aproximava-se. Este ano não poderia estar na sua terra e no seu lar. Iria passá-lo na companhia de outros que, como ele, andam lá fora a lutar pela vida. - Anima-te, Artur! O bacalhau e as couves regados com o bom vinho lá da terra não irá falta! - Eu sei, Carlos! Vai faltar-me o o rebuliço dos meus filhotes e a história de Natal que eu todos os anos, à volta da lareira lhes contavam. Uma pequena lágrima fez-lhe uma visita pela janela do coração.

A VIAGEM

Artur, ao longo da viagem, reflectia e ansiava pela chegada. Reflectia sobre a sua terra e a sua gente. Concluia que toda a agente deveria fazer um "estágio" fora da sua terra, para depois regressar, consciente que não é sabedor de tudo e que necessita dos outros para fazer desenvolver a sua terra. Os outros que regressam são possuidores de um conhecimentos que deveria ser aproveitado pelos residentes. Chegara a "Le Cerqueux". Iria trabalhar numa fábrica que produzia material para automóveis. Nessa noite iria dormir em casa do seu amigo. No dia seguinte, seria o seu primeiro dia de trabalho em terras gaulesas.

ARTUR, O EMIGRANTE

O caminho para a aventura estava a começar. Uma nova terra esperava Artur. A Gália que no tempo dos romanos era inviolável, agora encontrava-se aberta a todos aqueles que desejassem trabalhar e contribuir para o desenvolvimento de um país mais evoluído do que o nosso. ´ Na pretérita noite, o Artur pouco dormira. Tinha combinado com o seu primo Luís que partiria com ele na manhã seguinte. Uma dor enorme o envolvia. Não queria ainda sacrificar o filho e a família nesta viagem e nesta nova vida em terras de França. Queria, primeiramente, desbravar estas novas terras para mais tarde trazer os seus. Num beijo e num abraço muito terno e saudoso renovou com a sua esposa um amor eterno. Seria um até logo. O filhote saltou-lhe para os braços e com uma maturidade pouco habitual para a sua idade prometeu-lhe que tomaria conta da mãe e continuaria a demonstrar a sua humanidade perantes os seu semelhantes.

A PARTIDA

A feira semanal estava a prestes a findar. A subida íngreme até ao cimo da vila fazia-lhe lembrar o arriscado desafio que Artur enfrentara. Mais uma vez, o poder instalado dotado de mediocridade vencera. Todavia, o seu interior estava tranquilo. Agora, tinha a plena consciência que podia partir em paz para outras paragens e aí depositar o seu valor e o seu afeto numa outra terra que de certeza ninguém o iria olhar de lado só por ter um projeto e uma ideia diferente para a sua terra. "Santos da terra não fazem milagres!". Tinha tomado a decisão de partir. A ida à feira tinha um sabor de despedida. Decidira emigrar. Contrariamente a muito dos seus conterrâneos, esta era uma partida para concretizar os seus ideais.

ELEIÇÕES

As movimentações para a constituição das listas andavam numa roda viva. Nesta altura, os sorrisos hipócritas surgiam em catadupa. A promessa de novos empregos levavam muitos a silenciarem as suas ideias. A necessidade falava mais alto. Os homens do poder instalado há muito que iam provocando medo aos habitantes da aldeia. Ser uma voz discordante numa terra em que a maioria depende de outros era um desafio a que muitos não arriscavam. Artur era um homem de ideais. A sua vida passava por ser fiel a ele mesmo, independentemente de tudo o que rodeava. A vontade de arriscar na elaboração de uma lista era mais forte que a pressão política local. Já iniciara os seus contacos. Muitos recusavam apesar de no silêncio confessarem a fidelidade do voto a este aventureiro em terras que teimavam em não se desenvolver, pois as pedras impediam esse mesmo desenvolvimento.

SENSAÇÕES DE UM FINAL DE TARDE

Naquele tarde de Agosto, o silêncio da terra mãe produzia uma mística semelhante à do local da invoçação do Divino. As ruelas, cobras que passeiam os montes e as pedras desta terras, fazem-nos "donos" de uma aldeia para quem o viver puro e simples é a motivação da maior parte dos seus habitantes. O sino apelava à oração, através da santa missa, onde eram lembrados muitos daqueles que outrora passearam e tropeçaram na calçada. O emigrante bebe intensamente o ar e o sentir do seu habitat. O próximo ano, mês de Agosto, será o regresso e o sonho de um dia poder regressar, ciente que o seu coração estará simultaneamente na terra que o recebeu.

UMA EDUCAÇÃO PRAGMÁTICA

As mimosas, este ano, parece que floriram mais cedo. A anunciação da Primavera profetiza uma nova terra com novos homens e novas mulheres. Na escola, Luís, de olhos brilhantes, bebe as palavras meigas e ternas da professora Rute. Artur espera o filho para o levar pelos montes e vales da aldeia. A mãe natureza é a outra docente que complementa a formação paterna e escolar. O saber de experiência feita torna o cidadão mais completos e mais capaz de enfrentar um mundo cada vez mais inquieto e sem valores. Humanidade, espiritualidade e pragmatismo da vida, eis a triologia na formação de um rebento. Eram estes os vectores que ele pretendia para o seu petiz, ainda tão frágil mas com necessidade de criar raizes fortes de modo a que no futuro não caia à primeira ventania.