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A UVA TINTA

O Verão terminara. Com o regresso do Outono a labuta do campo continuava. Agora era o néctar dos deuses que era necessário sugar daquelas encostas que recebiam beijos calorosos do sol e faziam brilhar reluzentos cachos de uvas. É a festas da família e dos amigos. A dureza do trabalho era ultrapassado pelo convívio e pela partilha. Os burritos caminhavam por vales encostas transportando as uvas deliciosas que iam sangrando. A feijoada retemperava as forças tão necessárias para fazer cumprir aquele ritual pré-outonal. Quando o trabalho campal cessava, iniciava-se o ritual caseiros da pisa da uva. Os homens, num abraço fraterno, faziam transformavam o bago em vinho. Esse mesmo vinha inspirava os "pisadores" nas cantigas que entretanto se faziam ouvir pelo serpenteado da aldeia. Um acordeão, por vezes, tornava este momentos ainda mais deliciosos.

OS SANTOS POPULARES

As ruas naquela tarde de Junho, exalavam um cheiro especial. Os rosmaninhos começavam a amontoar-se pelas ruas e largos da aldeia. Os petizes já tinham ido aos montes buscar a flôr do S. João. Iniciava-se a construção das pequenas capelas com o Santo emprestado pelas senhoras mais idosos e com múltiplos apelos para que não o partissem. António e Carlos lideravam as festividades na sua rua. Foram eles quem construiram a capelinha do S. João com mimosas e giestas. A noite trazia sons, cores e cheiros à aldeia linda. Dos Rádios/gravadores jorravam os primeiros acordes do "Viva o Santo António, Viva o S. João...". As sardinhas assadas eram acompanhadas com o bom e puro vinho das videiras mimadas e acarinhadas pela gente que trabalha o campo.Esse amor era compensado com um néctar que não provocava qualquer dor de cabeça no dia seguinte. A alegria estava no ar! O "Zé Mau" (mau de nome mas bom de coração), acompanhado do seu gravador percorria todos os pontos de encontr

O DOMINGO

O domingo, dia do senhor, povoava as ruas da aldeia. Os habitantes das "quintas" vinham ouvir a  "Santa Missa" e à tarde conviviam e jogavam à péla. Era o dia do encontro e do descanso. Artur, em França, lembrava as tardes passadas nestas actividades lúdicas. Fora aqui que conhecera melhor Florinda, com que quem se enamorara e viera a casar. António, filho destes, seguira-lhes os passos e era dos primeiros a chegar para fazer parte das equipas. O banco da D. Purificação já se encontrava posicionado ao fundo da rua, para receber as bolas certeiras dos jogadores. Os mais jovens eram os primeiros a participar. Para a bola, era um dia de tortura enquanto que para o António, a Ana, o Quim, o Rafael e a Feliciana eram momentos de convívio e de liberdade. A taberna do Sr. Sebastião enchia-se de gente. Uns bebiam um copito enquanto jogavam à sueca; outros, os mais jovens, bebiam uma "Sagres" acompanhada de amendoins e tremoços; os pequenos contentavam-se com um pe

A MERCEARIA

Este episódio chegara aos ouvidos de Florinda, esposa de Artur, através do Igrejas, o sacristão. Este percorria de lés alés a aldeia, ávido de saber novas. A mercearia era a redacção onde se organizavam as notícias, havendo sempre uma ajudinha da D. Carlota, na divulgação das mesmas. Muitos dos clientes que angariava, era fruto da curiosidade popular: "saber da vilha alheia". Por isso, esta era de facto uma "notícia" bombástica: "O filho do Sr. Luís foge com a filha da Sra. Professora". - Um rapariga tão prendada, filha de D. Rute, fugir com aquele pelintra! - Exclamava D. Carlota. - É uma vergonha! - Concordava o Igrejas. - Mas culpado não é a menina! O culpado é aquele desgraçado que pensa por estudar na grande cidade pode fazer o que lhe apetece! - Acrescentou D. Miquinhas, a empregada do Sr. Abade - Para tomarem esta atitude é porque lá tinham as suas razões!- Contrariou Florinda. D. Miquinha com um ar reprovativo replicou: - Não me diga que ainda os e

"Olharam-se, sorriram ..."

A brisa da manhã parecia mais perfumada. A madrugada simbolizava o nascer de um novo projecto de uma nova vida, onde as convicções e os sentimentos derrotavam o pessimismo e o medo da condenação pública. Ao longo do dia, Carlos programara tudo. A mochila levava umas sandes de fiambre, presunto e queijo, acompanhadas de diversos sumos e águas. Ana fora ao mealheiro e depositara as suas poupanças numa bolsa rendada, oferecida pela sua madrinha. Para não dar nas vistas, Carlos chamara um táxi à cidade vizinha para os levar no combóio da aventura e da responsabilidade. O sol estava prestes a piscar o olho, quando os dois amantes se encontraram, no lugar combinado. Olharam-se, sorriram e selaram o pacto de amor com um beijo terno, testemunhado pelo chilrear alegre de um melro.

UNIRAM AS MÃOS E FUGIRAM GUIADOS PELO AMOR

O Cristo daquela terra morrera. A Páscoa trazia movimento, cor e alegria à aldeia. Os jovens jogavam à bola na rua principal. As mulheres organizavam-se na cozedura dos bolos de azeite. Ricardo, neto da D. Alzira, agarrava-se ao avental da avó enquanto esta batia na massa à semelhança de um pugilista. O forno comunitário era a casa de muitos nesta época especial. Enquanto os bolos coziam, as conversas rodavam à volta da fuga de da filha da D. Teresinha, a professora da terra e muito respeitada na aldeia, com o filho do Sr. Agostinho, homem trabalhador honrado que fazia os possíveis e impossíveis para manter o seu rebento a estudar em Coimbra. D. Teresinha, conhecedora do murmurar do povo sobre aquela relação, proibira qualquer aproximação de sua filha Ana àquele rapaz de origem humilde. O velho ditado ainda estava enraizado:"homem pobre casa com mulher pobre"; " homem rico casa com mulher rica". Naquela madrugada de Abril, Ana e Carlos uniram as mãos e fugiram guia

"Como é que alguém pode deixar de sonhar tão cedo?

A paisagem campreste, obra de arte do criador, era igual todos os anos. As flores das mimosas eram as primeiras a visitar o ser humano a quem o Criador se manifesta da melhor maneira. Lá longe, Artur continuava a sua labuta diária, com o coração sempre presente nesta terra que parecia não ter coração. O sonho de um futuro melhor para ele e para o seus não era uma utopia. Recebera uma carta de sua mulher onde esta expressava a saudades do seu sorriso e do seu carinho. Aproveitava também para lhe contar as "novas" da freguesia. O Aventoinha perecera nas pedras da calçada durante uma noite fria de Inverno. O maldito vício vencera pois aniquilara cobardemente mais um a quem a força do amor humano faltara. Aventoinha não tivera o carinho da mãe que morrera ainda muito nova. Nunca ultrapassara esta falta de afecto. Artur, lá longe, reflectia e interrogava-se "Como é que alguém pode deixar de sonhar tão cedo!".

UM MANTO DE NEVE VESTE A ALDEIA

Neste Inverno rigoroso, a neve fizera uma visita e vestira de branco os penedos mais escuros e mais duros. Aquele lugar tornara-se num mundo de sonho e de fantasia. As crianças corriam loucas de alegria pelas ruelas e pelos campos. Os mais velhos renasciam com as brincadeiras dos pequenos. A professora Rute, tantas vezes severa, nesta altura também ela revivia com os seus alunos as brincadeiras sempre iguais de há três décadas. O milagre da natureza acontecera naquela segunda-feira de Fevereiro! Sem aulas, o dia estava já planificado para o bando de pardais que saíam da escola: construir bonecos de neve e "guerra da neve". À noite, ouviriam sermão e missa cantada mas ninguém deve impedir que uma crianças quebre as regras, pois estas tinham sido quebradas pela mãe natureza.

À APANHA DA PÉROLA NEGRA I

O sol de Inverno levantava-se lentamente no horizonte. O frio fazia-se sentir ao longo da encosta. O rancho de homens e mulheres faziam os preparativos em casa do Sr. Alípio para dar início a mais um ano de colheita da azeitona. Os burros eram prendados com os toldes que iriam apanhar a azeitona castigada pela varas dos homens que arricavam constantemente a sua vida para subir às altas oliveiras. Os petizes ficavam a dormir. Chegariam mais tarde, quando o sol esquentasse, e permitisse brincar à "apanha dos berlindes negros". O mata bicho , um copo de aguardente e um naco de pão serviam de estimulante para a dura tarefa que os esperava. Os cestos para a apanha da azeitona iam de mão dada com as mulheres e moças solteiras. Para estas, poderia ser a oportunidade para arranjar marido no meio das cantorias que serviam de bálsamo para ajudar a fazer esquecer às mãos gélidas, resultado dos beijos repenicados, com os dedos frígidos, nas pérolas negras.