O NATAL

Em dezembro, para além da labuta da apanha da azeitona, o natal era a outra face do inverno. O frio era o companheiro das gentes que, à semelhança dos pastores, viam, ao longe, a estrela que os guiaria para uma sociedade mais humana e, consequentemente, mais justa. Os penedos, nesta altura, encontravam-se revestidos de musgo. As crianças, mais uma vez, eram prendadas pelo divino da matéria prima indispensável para fazer o presépio. Este era colocado todos os anos em lugar de destaque na casa de Artur. Os valores simbolizados ainda eram abraçados por Artur e pela sua família.
O vento gélido beijava ternamente a torre da igreja. Lá fora, as luzes brilhavam mais que nunca. O sacristão já tocara para a missa do galo. Os "lisboetas" deliciavam-se com as filhós amassadas pelas mãos duras e calejadas das gentes da serra. O Sr. Padre viera consoar a casa do Sr. Alípio. Aqui não faltava nada. O desejo de agradar ao prior fizera com que o orçamento para esta época aumentasse. O pão-de-ló, oriundo da cidade vizinha, era o símbolo da riqueza em terras onde o "pão nosso de cada dia" não faltava. 
Na casa de D. Angelina, a sopa de natal, tida para os ricos como a "vianda do povo", deliciava os pequenos e graúdos. Artur repetia a malga da sopa de natal todos os anos.
No silêncio da noite, a solidão fazia-se ouvir pela voz do "Aventoinha".Naquela noite, até os corações de pedra se tornavam em corações de carne. O Deus dos mais fracos e dos infelizes fazia-se ouvir na voz rouca daqueles que ao longo do ano vivem sem amor. O ato de amar ainda é visto com estranheza. O amor, nestas terras, era coisa dos fracos.

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